Late Night With The Devil é divertido e do nada, o caos. Assim se resume o programa de Jack Delroy (David Dastmalchian) chamado Night Owls, que na noite de Halloween, resolveu fazer um especial que era o puro suco dos absurdos, com direito a invocação do demônio no palco.
E apesar do filme ser ambietado nos anos 70, Late Night With de Devil acabou resgatando aquela nostalgia caótica da televisão brasileira sem filtro, que eu vivi a maior parte de minha infância nos anos 90.
E só quem viveu essa época sabe do que estou falando. Afinal, é impossível não lembrar do Gugu Liberato e seu Domingo Legal que era campeão em trazer casos bizarros e assustadores em seu programa, como o episódio da cabeça mumificada do suposto “chupa-cabra”, até a visita desesperadora de uma médium ao Carandirú, em que ela viu coisas horríveis.
Sabe aquele meme “postou e saiu correndo”? Era nessa mesma energia, e tudo pela audiência. E assim como em Night Owls , a única diferença é que ninguém nunca tentou mexer com forças desconhecidas… Será que ia dá ruim?
Late Night With The Devil vai te responder… fique comigo até o final, porque o Questão D está no ar.
Vem comigo!
Late Night With The Devil: Vale Tudo pela Audiência?
Você está preparado viajar no tempo e assistir um Talk Show de 1977 cujo o tema é sobrenatural na noite de Halloween?
Essa é a promessa de Late Night With The Devil. E vou confessar que eu tive a sensação de estar assistindo um programa de televisão de verdade viu?
Até porque este formato de Talk Show, não existe aqui no Brasil. Inclusive, tudo que você sabe sobre esse formato é através de cortes das redes sociais como: The Tonight Show starring Jimmy Fallon, Drew Barrymore Show, Kelly Clarksom Show, entre outros.
E rebuscando minha memória, é perceptível que os formatos que fizeram muito sucesso aqui no Brasil, foram os programas de auditório e de entrevistas como:
- Cassino do Chacrinha (1982-1988), na rede globo.
- Domingo Legal do Gugu Liberato (1993-2009), no sbt.
- Jô Soares Onze e meia (1988-1999), no sbt.
- Programa Livre com Serginho Groisman (1991-1999), no sbt.
E outros, que iam desde apresentações musicais, à histórias sensacionalista, semelhante ao que você vê aqui no filme. E olha que estou me referindo décadas de 1980 e 1990, ao qual nasci e cresci. Então se você lembrar de algum outro formato, me conta aí.
Mas voltando ao filme, The Late Night With trouxe convidados um tanto quanto fora da curva, ligados ao tema sobrenatural como:
- Christou (Fayssal Bazz): um médium autoproclamado, que alega ser um mensageiro de espírtos que estão em outro plano.
- Carmichael Hunt (Ian Bliss): um ex-mágico que se tornou cético e que estava ali para contestar todos os fenômenos apresentandos.
- June Ross-Mitchel (Laura Gordon): uma parapsicóloga que estava lançado seu livro Conversations With The Devil (Conversas com o Demômio), baseado em sua paciente Lilly.
- Lilly D’Abo (Ingrid Torelli): uma adolescente de 13 anos e única sobrevivente de um suicídio em massa de uma igreja satânica. E que alega ter um amigo chamado “Mr. Wriggles” que toma conta de seu corpo…
E aqui vai um detalhe muito importante… tudo que você vai assistir é um versão exclusiva, com filmagens encontradas dos bastidores, e entender o que viveram nesse dia – ou seja, o famoso e polêmico found footage.
Vale lembrar que que Night Owls era apresentado por Jack Delroy (David Dastmalchian) e que estava sofrendo com uma constante queda de audiência. Então, este especial era a sua chance de voltar ao radar da relevância com a galera do sofá. E ele estava disposto a tudo para alcançar sua meta – nem que para isso ele tenha que ultrapassar os limites e mexer com o sobrenatural…
Você faria tudo pela audiência, mesmo correndo risco de vida? Pense com calma e depois você me responde.
Late Night WIth The Devil: É disso que Precisamos?
Você já ouviu falar do ditado “se tá no inferno abraça o capeta”? Nunca essa frase fez tanto sentido para Jack Delroy. Afinal, para algúem que explorou a doença de sua esposa, por uma questão de audiência, por que não mexer com o desconhecido?
E assim foi o programa Night Olws na noite de Halloween, com o (suposto) médium, Christou, jogando verde com a platéia e alegando que tinha mensagens importantes do além. Em contrapartida era desmentido pelo ex-mágico Charmichael, tornando-o motivo de chacota. E a parapsicóloga June falando sobre sua paciente Lilly, enquanto fazia caras e bocas bizarras para as câmeras e jogando frases aleatórias e um pouco desconfortáveis. Ou seja, o puro suco dos absurdos.
E por mais que Jack Delroy tentasse ser o mais cético possível, ele estava cada vez mais irritado com a arrogância de Charmichael com seus convidados, principalmente com June Ross-Mitchell. Eis que ele propõe a a parapsicóloga que invocasse o “Mr. Wiggles” em Lilly, durante o programa, para descredibilizar o ceticismo do ex-mágico.
Já dizia avó: “Nunca mexa com aquilo que você não conhece…” Mas você acha que isso era um problema para Jack Delroy? Claro que não né? Afinal, todo teimoso só sossega depois que faz aquilo que quer. Quem nunca?
A Dra. June bem que tentou alertar do perigo de realizar tal procedimento fora de uma ambiente profissional, mas depois de muita insistência, Jack conseguiu convencê-la. Mas para realizar tal procedimento havia uma condição… que todos da platéia ficassem em silêncio e não a interrompesse, e que fizessem apenas aquilo que ela mandasse. Como todos concordaram, daí em diante foi só ladeira abaixo.
Late Night With The Devil: A Vida Imita a Arte?
Você deve tá pensando: “Ah não, só em filme mesmo que isso acontece.” Será mesmo? Afinal, quem viveu a era do Domingo Legal com Gugu Liberato nos anos 90, sabe muito bem que a vida imita a arte.
Inclusive dá um google aí e pesquisa sobre “a visita da médium Socorro Leite ao Carandirú em 2002”.
E que por sinal, são momentos muito desconfortáveis e agoniantes, pois conforme a produção avançava na antiga casa de dentenção, Socorro Leite passaval mal, ficou a maior parte das filmagens chorando e gritando ao enxergar espíritos no local. E o mais bizarro é que um dado momento ela diz que não queria mais prosseguir, mas o Gugu insistia que ela continuasse, pois ele tinha que mostrar tudo isso aos telespectadores – assim como Jack Delroy no filme.
Vale lembrar aqui, que a proposta inicial da filmagem era que a médium fôsse até o local para fazer uma “limpeza espiritual”, pois o prédio seria implodido em poucos dias. Mas ao chegar lá, Socorro Leite descobriu que nada foi conforme o combinado. E que seu desespero foi o principal responsável em garantir picos de audiência ao programa.
Caçador de enigmas? Temos, não um proprimente um cético, mas com o mesmo propósito, desmistificar casos paranormais no Fantástico em 2000. Esse era o Padre Quevedo, um professor de parapsicologia que acreditava em fenômenos paranormais, desde que passasse por uma minuciosa investigação. Como o caso da casa mal-assombrada no Rio de Janeiro, que após a visita de sua equipe e análise das imagens, Quevedo descobriu que tudo não passava de uma farsa, e que uma das filhas era responsável pelos fenômenos e fazia tudo escondido de todos.
Uma outra figura marcante da televisão brasileira foi Benedicta Finazzam, a famosa Mãe Dinah. Ela era muito conhecida por prever tragédias na vida dos famosos. Dentre elas temos a morte dos mamonas assassinas, do Ayrton Sena e de Hebe Camargo. E segundo a própria vidente, ela sabia que uma pessoa iria morrer quando via uma fumaça cobrindo um corpo inteiro. Mas quando a fumaça não cobria o rosto, pode ser que a pessoa poderia se salvar. Então ela os avisavam.
Mas nem tudo eram acertos, ela teve uns erros que causou desconfianças em suas previsões, como a terceira guerra mundial que aconteceria em 1984, ou que Fernando Collor faria um excelente governo, ou que Copa de 1994 o Brasil seria derrotado – sendo que este foi o ano em que ele conquistou o Tetra, entre outros.
Viu como a cultura pop brasileira é recheada de casos paranormais icônicos? Por isso, que ao assistir Late Night With The Devil, você tem a impressão de estar assistindo um programa sensacionalista com selo brasileiro. E que apesar de usar elementos clichês do terror, ele desperta sua curiosidade do que vem aí… Mas por que isso acontece?
Como usar o Clichê de Forma Honesta
Eu gosto quando um filme trás uma nova roupagem de um tema muito batido no cinema, como a possessão e exorcismo. Até porque, por muito tempo filmes como esse focavam muito nos jumpscares e exposed de todos ao redor do possuído. E em Late Night With The Devil é uma prova que o segredo de um bom filme de terror é uma história atraente – mesmo que ela flerte com a ação, ou comédia ou drama.
Uma prova dessa desconstrução do terror é o O Exorcista do Papa (2023) com Russel Crowe, que nada mais é que um filme de ação nos moldes dos anos 90, do que um terror tradicional com fórmulas batidas e desgastadas. E assim com ele, Late Night With The Devil seguiu os mesmos passos, sendo um filme honesto e sem tem a pretensão de assustar a platéia e sim entreter, como o apresentador Jack Delroy.
Mas ao mesmo tempo que isso é um respiro às histórias de possessões, ela divide opiniões. Afinal, muitos estão acostumados com a fórmula engessada de Hollywood, que o terror deve ser apenas sobre medos e sustos, quando na realidade ele tem várias camadas que podem ser exploradas de forma criativa e atraente.
E um exemplo de murro em ponta de faca, é o fiasco de O Exorcista – O Devoto (2023), que se autodeterminou uma continuação direta do filme de 1973, de William Friendkin. Uma decisão bem ousada, afinal O Exorcista (1973) trabalhou um terror dentro de uma ótica dramática, para debater a discriminação da sociedade sobre mulheres divórciadas e a ruptura de tradições conservadoras.
Ou seja, se audeclarar uma continuação direta de um clássico e repetir tudo aquilo que já se viu em outros filmes de possessão, é preciso ter muita coragem, né verdade?
Ainda bem que a produção de Late Night With The Devil decidiu ir pelo caminho da descontrução, porque ela entregou entretenimento e sensacionalismo televisivo.
[Grave] Filme usa IA e Causa Polêmica
Era o início de um sonho, deu tudo errado. Essa foi a sensação quando descobriu-se que as vinhetas do Night Owls, foram criadas por inteligência artificial. E tudo começou quando o usuário Based Gizmo postou indinado no no Letterbox (rede social de cinéfilos) que o filme usou IA e que achou um tremendo insulto dos cineastas.
Ouça. Há IA por todo o lado nos cortes e nas mensagens de rede “já voltamos”. Por esse motivo, não consigo aproveitar as performances incríveis e o final inteligente. Na verdade, parece um insulto quando essa mensagem esquelética aparece repetidamente, como se os cineastas não dessem a mínima e quisessem que você soubesse que aceitaria IA descarada em sua peça de época dos anos 70. Não deixe que isso seja o começo da aceitação dessa merda em seu entretenimento.
Based Gizmo (Letterbox)
E como não tinham mais para onde correr, os diretores Cameron e Colin Cairnes, admitiram à Variety que usaram IA nessas ilustrações, mas justificaram como um experimento e que tudo foi feito em conjunto com um time de direção de arte… Humhum… sei… Então porque só mencionaram esse tal “experimento” depois de ligaram o megafone no Letterbox? Pegou mal heim!
Afinal, um dos motivos da greve dos atores e roteiristas em 2023, foi exatamente a substituição de profissionais artísticos por inteligência artificial. Até porque tudo que é criado por uma IA, não é autoral e sim partes de tudo aquilo que está disponível na internet. Logo, não existe uma essência criativa e sim um Ctrl+C Ctrl+V.
A verdade é que esse não é o primeiro caso que usuários detectam ilustrações feito por IA. O filme Guerra Civil (2024) da produtora A24, também usou materiais de divulgação criados por IA, e que choveu críticas pesadas dos cinéfilos à produtora independente.
Inclusive tivemos aqui no Brasil em 2023, um caso no campo literário. Em que a editora Novo Século lançou uma edição de luxo do clássico “Alice no País das Maravilhas”, com ilustrações geradas por IA. E o pior… cobrando um valor salgado e sem deixar isso claro para os leitores. E assim como os irmãos Cairnes, a editora só admitiu, depois do exposed no twitter.
Vale lembrar que o cineasta Mike Flangan (A Maldição da Residência Hill) expressou seu apoio a Late Night With The Devil em seu perfil no Letterbox. Inclusive, ele continua achando o filme excelente e altamente recomendado.
Tive a sorte de assistir antes do lançamento nos cinemas. David Dastmalchian carrega essa transmissão de terror atmosférica e fascinante em tempo real com uma performance maravilhosa. O único outro filme que consigo pensar que é remotamente comparável a este é GHOSTWATCH. Altamente recomendado!
Mike Flanagan – Cineasta (Letterbox)
De fato, o filme tem uma narrativa envolvente, mas ir contra um dos principais motivo da greve dos roteiristas e atores, é dar força ao lado opressor da indústria do entretenimento. Então, pegaram mal, sem dúvida. Será que eles aprenderam a lição?
Qual o Limite do Sensacionalismo na Televisão?
Afinal, onde começa o limite do que é de interesse público? Como trazer esse assunto de forma envolvente sem ser didático demais? Simples, sendo uma sátira de programas incoerentes com seu posicionamento.
Você lembra da introdução feita sobre violência e cultos? E que Jack Delroy tinha o “interesse” de trazer entretenimento, diante de tanta barbabridade? Corta para ele trazendo um especial de Halloween, com uma das sobreviventes de um suicídio em massa de uma igreja satânica. Você percebe neste momento que mexer com ferida é mais lucrativo do que cicatrizá-la.
Vale lembrar que o filme é ambietado na década de 1970, e que as mídias tradicionais eram ótimas aliadas para manipular a opinião pública. Lógico que elas tentam fazer isso hoje em dia, mas graças as redes sociais a audiência tem voz e força para causar mudanças, tanto no universo do entretenimento como no campo político.
E a sacada de Late Night With The Devil é justamente essa, mostrar que o sensacionalismo sempre foi uma estratégia para segurar a audiência de uma emissora. Sem mensurar o limite do que realmente é de interesse público – seja mexendo com o desconhecido, ou com a dor alheia.
A verdade é que Late Night With The Devil é mais um caso de como e a cultura pop é um reflexo de comportamentos sociais. E por mais que ele traga elementos já vistos em outras produções, o filme é mais uma prova que o clichê ele é aceitável, desde que seja bem executado – e que tenha sua própria identidade.
E de certa forma ele é honesto com seu propósito, divertir como em um programa de televisão. E se você viveu a era dos sensacionalismo da televisão brasileria dos anos 80 e 90. Vai ter uma leve nostalgia.
Lógico que o filme em si não é absolutamente perfeito, até porque existem escolhas da produção que ao meu ver se tornam questionáveis – mas isso acontece em qualquer filme e tá tudo bem. Até porque tudo depende da sua experiência com a obra.
E aqui no meu caso, eu fiquei desconte com os efeitos visuais de uma determinada cena. Isso porque eu sou do time que prefere filmes de exorcismos que foquem na performance e maquiagem, principalmente quando apresentam essa estrutura ao longo de sua narativa.
E Late Night With The Devil estava seguindo essa linha performática com o mínimo de efeitos visuais, que trazia um tom levemente realista – com sensação de estar realmente assistindo um programa de televisão.
Sabe aquela frase icônica de Joâo Kleber “Para, Para, Para, Para”? Em que prometia tudo e não cumpria nada? Eu tive essa mesma sensação quando o filme escolheu usar os efeitos visuais. Nem tudo é perfeito né verdade?
Mas tirando esse detalhe, eu me divertir bastante com o filme, o David Dasmalchian está ótimo como protagonista – inclusive já tinha passado da hora dele pegar um papel de destaque. E gostei muito da Ingrid Torelli como a garota possuída, trazendo caras e bocas sinistras e cômicas para as câmeras, dignas de memes. Então valeu à pena as 1h 26m de filme.
Se você está em dúvida em assistir Late Night With The Devil? Aqui vai um conselho.
Assista de coração aberto. Se no final você vai gostar ou não, o que importa é a sua experiência. Afinal, cinema é isso, entretenimento, impressões e sensações. Então se permita.
Compartilhe esse post com aquele amigo que viveu o suco do sensacionalismo da televisão brasileira, ou aquele crush que é fã de filmes found footage e exorcismo, quem sabe ele não te nota.
Até o próximo post!
