Como o filme faz você relfetir sobre afetos, identidades e desafios de um adolescente LGBTQIAPN+? Descubra por que ele continua relevante.

Boys (Jongens, 2014) é um daqueles romances aquileanos que antecederam a era HeartStopper, em que dois garotos estão vivendo uma jornada de descobertas e novos afetos. E assim como todo adolescente LGBTQIAPN+, que está experenciando essa fase, o filme apresenta uma série de questionamentos e, claro, alguns comportamentos equivocados – muito comum nessa idade.

E quando você olha tudo isso dentro de um universo masculino que possui um checklist carregado de regras heteronormativas sobre como agir, negar seus sentimentos e esconder seus afetos, Boys (Jongens) te entrega esse sabor agridoce que muitos de nós LGBTQIAPN+, já experimentou em algum momento da sua vida, como a transformação de uma amizade.

Afinal, existe uma cultura marcada pela masculinidade frágil, que interfere profundamente nas experiências de um garoto, deixando várias marcas e feridas emocionais – tanto em si, quanto nos outros. E essa bagagem fica mais pesada, quando não há alguém de confiança para acolher, orientar ou simplesmente escutar.

Vale lembrar que em 2024, Boys (Jongens) completou 10 anos de lançamento. E com isso, vários questionamentos e reflexões vem à tona como: Será que, após uma década, ainda é possível ver conflitos como de Marc e Sieger hoje em dia? Será que houve alguma mudança significativa? Qual impacto cultural o filme trouxe para o cenário Queer?

É isso que vamos descobrir juntos neste artigo. Então vem comigo. Por que o Questão D tá On!

Boys (Jonges, 2014) | Sieger (Gijs Blom) e Marc (Ko Zandvliet) deitados em uma cama elástica, olhando um para outro com carinho e afeto | Questão D
(Gijs Blom e Ko Zandvliet | Boys [Jongens])

Boys (Jongens): A Linha de Chegada da Descoberta

Boys (Jongens) começa apresentando Sieger (Gijs Blom) um adolescente dedicado ao atletismo na escola, e que se destaca por quebrar recordes em seus treinos. E com um campeonato se aproximando, nada mais que normal treinar aqueles atletas que se destacam. E é nesse momento que Sieger conhece Marc (Ko Zandvliet), que é um garoto que leva esse processo de forma leve, quebrando um pouco aquela pressão que todos passam durante os treinos.

Inclusive no início, esse perfil descolado de Marc deixa Sieger um pouco desconfortável, uma vez que ele é um garoto introvertido e que manifesta muito pouco suas emoções. E tudo isso tem a ver com ambiente conturbado entre seu pai e seu irmão, que vivem em pé de guerra, desde morte de sua mãe. Sendo assim, a escola e o esporte são a válvula de escape de Sieger.

E é durante os treinos que Marc e Sieger, vão se aproximando cada vez mais, esquecendo um pouco seu papel de apaziguador em casa, e vivendo um pouco seus momentos de adolescente e descobertas.

Em um belo dia, após o treino para o campeonato, os garotos da equipe decidem ir a um lago, para nadar e aproveitar um pouco da tarde. E foi nesse momento que Sieger percebe que Marc está despertando um sentimento que ele nunca tinha vivido.

Eis que todos decidem ir embora, exceto Marc que decide ficar e pede que Sieger fique com ele para aproveitarem mais um pouco juntos. No início ele decidi ir embora, mas no meio do caminho, ele decide voltar. E assim, os dois aproveitam o momento intensamente.

Sieger se sente mais leve e sendo ele mesmo, então reconhece que tomou a decisão certa em voltar. Mas até o momento em que eles estavam muito próximos, Marc dá um beijo em sua boca, de forma espontânea. Como Sieger estava bastante envolvido naquele sentimento, ele corresponde o beijo.

Boys (Jonges, 2014) | Sieger (Gijs Blom) e Marc (Ko Zandvliet) no lago, olhando para o céu e segurando um tronco | Questão D
(Gijs Blom e Ko Zandvliet | Boys [Jongens])

Apesar de viver bons momentos e gostar do beijo com Marc, Sieger já afirma que não é gay. O que é normal como qualquer adolescente que está se descobrindo e que vive dentro de uma estrutura heteronormativa. E é nesse momento que começam a surgir vários questionamentos sobre seus sentimentos.

E como Sieger não tem ninguém de confiança para confidenciar e até mesmo acolhê-lo nesse momento, ele começa uma sequência de bola fora. Ele conhece uma garota e comaça a sair com ela, mas ele percebe que está fazendo isso como se fosse “o certo a se fazer”, mas é com Marc que ele se sente bem e ele mesmo.

Mas daqui pra frente, é só pra trás que tudo acontece, pois Marc descobre que Sieger está namorando Jéssica. E na boa… foi uma situação muito desconfortável, porque Sieger simplesmente ignorou Marc quando eles se encontraram no parque de diversões.

Eu confesso que fiquei com pena dele, só quem é LGBTQIAPN+ sabe o quanto é escroto a pessoa que você está dividindo bons momentos, te ignora e de despreza na frente de outras pessoas. Se isso já é desconfortável com um adulto, imagina com um adolescente.

Não sei você, mas tive a vontade de dar um abraço acolhedor no Marc e você? Qual seria sua atitude? Me responde lá no Instagram, que eu quero saber.

Boys (Jonges, 2014) | Sieger (Gijs Blom) falando com seu pai na porta do vestiário e Marc (Ko Zandvliet) atrás da coluna, para não ser visto  | Questão D
(Ko Zandvliet, Gijs Blom e Ton Kas | Boys [Jongens])

Boys (Jongens): Uma Corrida Contra a Descoberta de Si Mesmo

Que a verdade seja dita: crescer em uma estrutura cheia de cobranças, que limita viver sua essência, não é fácil. E quando você é um LGBTQIAPN+, essa pressão é multiplicada. É exatamente essa abordagem que você vê em Boys (Jongens, 2014).

Afinal, o filme acompanha os conflitos de Sieger, um garoto que, em vez de viver suas descobertas e afetos de forma fluida e natural, enfrenta uma experiência agridoce. Ou seja, os poucos momentos felizes que ele vive são carregados de culpa e medo. Como na viagem com a equipe de atletismo, quando no meio da noite, Sieger e Marc fogem para uma praia, para aproveitarem alguns momentos juntos. Inclusive, Sieger chega a desabafar que gostaria de ficar ali para sempre, porque naquele instante ele estava sendo ele mesmo.

E esse cenário de culpa e medo é algo que atormenta muitos LGBTQIAPN+, especialmente no universo masculino. Afinal, existe uma cobrança constante sobre como ser, agir e se comportar para atender o modelo de um “macho alfa”. Assim, muitos garotos crescem ouvindo histórias sobre violência física e psicológica contra quem foge desse padrão, o que só reforça o medo de viver sua verdade.

Inclusive, é impossível não lembrar de O Segredo de Brokeback Mountain (2005), na cena em que Ennis Del Mar (Heath Ledger) mostra para Jack Twist (Jake Gyllenhaal) o corpo de um homem vítima de homofobia, depois que a comunidade local descobriu sobre sua orientação sexual. É naquele momento que Ennis deixa claro que eles não poderiam assumir seu amor, para não terem o mesmo destino. Até porque assim como Ennis, muitos de nós LGBTQIAPN+ crescemos ouvindo histórias que nos fizeram temer viver nossa essência.

E quando você não tem um apoio o referência de alguém de confiança, é comum optar por seguir essas “regras” como um disfarce, acreditando que é mais seguro. É exatamente esse caminho que Sieger escolhe em Boys (Jongens, 2014), que logo ao retornar da viagem com a equipe, ele decide intensificar seu relacionamento com Jessica, mesmo indo contra seus próprios sentimentos, porque acredita que esse é o “certo” a se fazer.

E a gente sabe bem que esse tipo de estratégia nunca termina bem. E de fato é o que acontece, Sieger acaba decepcionando Marc profundamente. É durante um passeio no parque de diversões, Marc descobre que Sieger e Jessica estão juntos, e logo em seguida é ignorado. E daqui pra frente é só pra trás, pois Sieger se perde ainda mais em uma sequência de decisões equivocadas que impactam profundamente a relação enre os dois.

Boys (Jonges, 2014) | Sieger (Gijs Blom) de cabeça baixa, Jessica (Lotte Razoux Schultz) sorrindo para Sieger e Marc (Ko Zandvliet) olhando para Sieger chateado | Questão D
(Gijs Blom, Lotte Razoux Schultz e Ko Zandvliet | Boys [Jongens])

Até porque, enquanto Sieger está cheio de conflitos, Marc é bem mais resolvido consigo mesmo. Apesar da decepção, ele sabe que priorizar a si mesmo é o mais importante. Sendo assim, ele decide se afastar e seguir em frente, principalmente após várias tentativas frustradas de conversarem.

Você percebeu como a responsabilidade afetiva é algo que precisa ser trabalhado desde cedo? Afinal, ser honesto, ter empatia e respeito em suas relações, evita situações constrangedoras e dolorosas. Mas com Sieger não tem esse tipo de direcionamento, ele acaba utilizando desculpas repetitivas e fugindo de diálogos importantes. E caso isso não seja trabalhado, esse ciclo pode transformá-lo em alguém tóxico, como muitos homens que sobrevivem em uma sociedade machista estruturalmente.

Inclusive, essa dificuldade de Sieger em se comunicar vai além de Marc e Jessica: ele também não consegue se conectar com seu pai, seu irmão e, até mesmo, com seu amigo Steff. Como na cena em que ele combina de encontrar Marc no lago para se desculpar e conversarem sobre eles, mas acaba saindo às pressas para buscar o irmão que fugiu de casa. E o pior… Sieger nem avisa Marc, que fica esperando sem entender nada.

E na boa… no lugar do Marc, eu também ficaria chateado. Afinal, eles passaram a tarde inteira trocando mensagens e confirmando o encontro. E no fim, nem sequer um sms de que ia se atrasar…? Complicado, né? Quem já passou por isso sabe como é desconfortável e até revoltante essa sensação de falta de consideração por alguém que a gente gosta.

Você já passou por algo parecido com o Marc? Ou já foi um Sieger da vida? O que você faria de diferente hoje? Me conta lá no Instagram pra gente continuar essa conversa! Te espero lá.

Vale lembrar que o filme é de 2014, quando a cobrança sobre adolescentes LGBTQIAPN+ no universo masculino era muito forte e presente. Mas será que, depois de 10 anos, esse cenário mudou ou só piorou? Vem comigo, porque esse é o assunto do próximo tópico.

Boys (Jonges, 2014) | Marc (Ko Zandvliet) deitado com a cabeça no ombro de Sieger (Gijs Blom), durante uma veiagem de ônibus | Questão D
(Gijs Blom e Ko Zandvliet | Boys [Jongens])

Marc e Sieger: O Afeto em um Mundo que Não Mudou

Quando assisti a Boys (Jongens, 2014), lembro que rolou um certo burburinho nas comunidades LGBTQIAPN+ do Facebook. De um lado uns adoraram o filme, sentindo aquele quentinho no coração; do outro questionaram sua narrativa, afirmando que faltou ousadia ou cenas mais quentes. E o piot é que essa divisão de opiniões, fazia todo um sentido.

Isso porque na época de seu lançamento, havia um histórico de filmes norte-americanos que, convenhamos, nem sempre representavam bem a comunidade. Era sempre aquele ciclo: ou um romance sofrido e cheio de traumas ou algo super erotizado, sem muito espaço para leveza ou nuances. É aí que chega Boys (Jongens), um filme europeu, fora da curva, com uma história sensível sobre descobertas de adolescentes e seus afetos. É “Impactou” que se diz né?

E o curioso, é que a escolha da narrativa de Boys (Jongens) tem muito a ver com a trajetória da diretora Misha Kamp. Até porque, ela já tinha uma certa experiência em telefilmes com temáticas infantis na Holanda e que garantiram alguns prêmios como Golden Calf, Golden Film e destaque no Cinekid Festival. E com o lançamento de Boys (Jongens) marcou uma transição importante em sua carreira, semelhante a uma puberdade – saindo da fase infantil para abraçar a adolescência, com uma narrativa jovem, necessária e que aborda as primeiras descobertas de um adolescente LGBTQIAPN+.

E é exatamente este o diferencial do filme, a forma como ele aborda os conflitos na adolescência. Mostrando as pressões de uma sociedade machista, com uma visão psicológica e sutil de seus efeitos, fazendo com que você se conecte e sinta as emoções dos protagonistas, Sieg e Marc.

Apesar do filme ser de 2014, ele continua atual. Afinal, os desafios que Sieg e Marc enfrentaram ainda ressoam nos dias de hoje, e isso fica claro quando pensamos em histórias recentes, como Heartstopper. Em que seu último episódio da 2ª temporada da série, Charlie (Joe Locke) desabafa sobre as marcas deixadas pelo bullying e pela homofobia desde que saiu do armário, e percebeu que, infelizmente, nem todo mundo mudou tanto assim…

Essa fala de Charlie, me fez lembrar de um episódio que aconteceu uns dias atrás, quando estava passeando com minha cachorra e vi dois rapazes, aparentavam ter seus 18 ou 20 anos, voltando da academia de mãos dadas e sorrindo. Uma cena muito fofinha por sinal. Só que, do outro lado da rua, avistei um senhor olhando para eles com um certo ódio que me deu vontade de agir.

Então eu caminhei com minha cachorra até perto dele, que latiu ao vê-lo, assustando-o. Esse senhor ficou tão desnorteado que ele seguiu o caminho dele. Foi um pequeno ato, eu sei, mas isso foi um lembrete de que, mesmo com tantas conquistas dentro da população LGBTQIAPN+, ainda existe um longo caminho a percorrer.

Boys (Jonges, 2014) |  Sieger (Gijs Blom) fazendo cara de força e Marc (Ko Zandvliet) sorrindo se divertindo, durante um treino de atletismo. | Questão D
(Gijs Blom e Ko Zandvliet | Boys [Jongens])

A verdade é que filmes como Boys (Jonges) continuam essenciais dentro da cultura pop Queer, porque eles lembram que a desconstrução é um processo diário e constante. Além disso, reforça a importância de acolher adolescentes LGBTQIAPN+, que muitas vezes enfrentam violências físicas e psicológicas em casa simplesmente por serem quem são.

Por isso, conhecer outras histórias e vivências se torna uma espécie de luz no meio da escuridão, pois ajuda esses jovens a reconhecerem, e entenderem, que não há nada de errado em viver sua própria verdade.

Além disso, ser um LGBTQIAPN+ e reconhecer que tem um papel importante e que pode ajudar nessa caminhada, faz toda diferença. Afinal, criar redes de apoio, acolher, direcionar e ajudar adolescentes é um ato de amor e resistência. Até porque, muitos deles não tem um suporte, e acabam descobrindo da pior forma possível que a sociedade conservadora, não está pronta para quem foge de suas diretrizes.

Lembre-se, ser quem você é nunca foi e nunca será errado. Por isso, estender a mão a quem ainda está se descobrindo é um gesto poderoso que transforma vidas, porque assim você sinaliza que ninguém precisa enfrentar o mundo sozinho. Né verdade?

Agora me conta: você já assistiu a Boys (Jongens)? Amou ou achou que faltou algo? Vamos trocar ideias lá no Instagram! Ah, e aproveita para compartilhar este texto com aquele amigo ou crush que curte um bom romance aquileano. Quem sabe ele não te nota, né?

Até o próximo post! 🙂

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Foto de Dandy Souza

Dandy Souza

Web Designer e Videomaker. Sou um caçador de "easter eggs"e ativista da cultura pop. Criei o "Questão D" para mostrar que sci-fi, terror e o suspense são gêneros que além de entreter, têm um papel social interessante e fora da curva.Seja bem-vindes, porque o Questão D tá On!
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